A crise no Brasil afeta diversos setores, incluindo a área de ciência, tecnologia e inovação. Se em 2013 o setor recebeu um investimento do governo de R$ 9,4 bilhões, hoje esse valor chega a apenas R$ 3,5 bilhões. Os cortes no orçamento causam preocupações na comunidade científica. “Aparentemente as pessoas que ocupam posições de decisão no Brasil ignoram a relação entre ciência e desenvolvimento”, afirma Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

A redução nos investimentos destinados ao setor causam problemas como a falta de recursos para cobrir custos básicos de manutenção, salários de funcionários e bolsistas, além de contas de energia e insumos para pesquisas. “Há projetos importantíssimos que foram paralisados por falta de recursos e que podem melhorar muito a situação na crise global, agregando valor a nossos produtos”, conta Davidovich.
Confira 3 projetos impedidos pela crise de avançar:

publicidade

1. Medicamento contra o câncer

INCT - Nanotecnologia, em Brasília

publicidade

O projeto, desenvolvido no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Brasília, 50 pesquisadores desenvolvem medicamentos mais eficientes contra o câncer e com menos efeitos colaterais.
“Temos experimentos com terapia fotodinâmica contra o câncer de pele – em que se coloca um medicamento na lesão e aplica-se uma luz sobre ele. Isso tem efeito colateral quase nulo no paciente”, explica Ricardo Bentes de Azevedo, presidente do instituto. Em testes, realizados inclusive em umanos, os pesquisadores conseguiram 100% de remissão do câncer.

A pesquisa também envolve a criação de um nanomaterial capaz de liberar o medicamento somente em regiões com o PH ácido – onde se encontra o tumor. Assim, a ação do remédio é mais certeira e prejudica menos células saudáveis, algo comum na quimioterapia.

publicidade

Por que parou? 

Em 2009, o INCT recebeu R$ 10 milhões para cobrir todos os custos por cinco anos. “Com o investimento do governo e outros recursos que conseguimos, demos um salto qualitativo enorme nos últimos anos. Mas agora estamos com dificuldade de comprar animais e material para a cultura de células – o que nos permitiria fazer testes. Isso efetivamente estaciona os projetos. Ainda não interrompemos nenhum, mas eles não evoluem. Se não vierem recursos até o fim desse ano, teremos um retrocesso muito grande”, explica Azevedo.

publicidade

2. Animais amazônicos

Jacaré morto no Amazonas

Recentemente, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá interrompeu 65% dos projetos de inovação e conservação ambiental desenvolvido em uma área de 3 mil hectares no Amazonas. Entre os projetos, estão experimentos com iscas alternativas para pescadores de piracatinga. Tradicionalmente, esses profissionais matam botos e jacarés para usá-los para atrair os peixes.

Por esse motivo, a captura e a comercialização do peixe foram probidas, mas os pescadores reclamam do risco de desemprego. “Íamos oferecer uma opção a eles para salvar os botos e os jacarés. Já tinhamos identificado os pescadores que matavam e íamos medir a produtividade das novas iscas”, explica Elder Queiroz, o diretor do instituto.

Por que parou?

Desde o segundo semestre de 2015, o Mamirauá perdeu 60% de sua arrecadação, quase o total do que recebia do ministério. Por isso, 42% dos funcionários e bolsistas foram demitidos. Os salários dos profissionais restantes foram reduzidos e na sede do instituto o trabalho é feito em meio período, para economizar. “O ministério nos prometeu que devemos receber R$ 2,5 milhões agora para pagar salários e fornecedores. Mas, concretamente, ainda estamos muito distantes de resolver o problema”, explica Queiroz.

3. Navio de pesquisas

Navio de pesquisa hidroceanográfico Vital de Oliveira no Rio de Janeiro

O Navio Hidroceanográfico de Pesquisa Vital de Oliveira chegou ao Rio de Janeiro no ano passado para ampliar a pesquisa oceanográfica no Brasil. Ele é o navio de pesquisas mais moderno que o Brasil já teve, com 28 equipamentos de alta precisão – incluindo um robô capaz de mergulhar até 4 mil metros.

O Vital de Oliveira foi comprado através de uma parceria entre os ministérios da Defesa e da Ciência, Tecnologia e Inovação, com a Vale e a Petrobras, por R$ 162 milhões. Para custear as atividades do navio, são necessários R$ 32 milhões por ano.

Por que parou?

O atual Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações explica que está em fase final a criação de um acordo entre todas as partes para criar um comitê gestor do navio. Até o final de 2016, o navio fica sob administração da Marinha.

“Nestas negociações, ficou claro que a manutenção e operação do navio não poderia onerar somente a Marinha do Brasil. Assim, negociou-se o aporte de recursos de todos os partícipes para garantir a sustentabilidade do empreendimento”, explica Gilberto Kassab, ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

Na semana passada, representantes de instituições do setor de inovação e ciências se reuniram com o ministro Gilberto Kassab para pedir que o investimento retorne ao valor de 2013. Em entrevista à BBC Brasil, o ministro afirmou que o pedido foi levado à área econômica do governo federal, que já descontingenciou R$ 1 bilhão para essa finalidade. “Trata-se do início da recomposição orçamentária, que, diante das circunstâncias atuais, é muito significativa e ocorrerá de forma gradual, dentro das possibilidades financeiras”, explicou.

Via BBC Brasil